De cabelos claros, estatura média e acostumado a brincar em cemitérios quando criança, o hoje cineasta premiado, Alan Oliveira, desenvolve um trabalho voltado às práticas religiosas. Com o documentário “Fé Sem Nome” traz a tona uma história que poderia ter sido somente um caso de polícia, mas passou a configurar o panteão dos santos do povo nordestino.
Com um pouco mais de duas décadas, desde o caso da menina encontrada morta na praia do Pina e enterrada como indigente, a devoção à “Menina Sem Nome” aparece como um dos maiores cultos do Recife e abre uma seara de interpretação para a antropologia, folkcomunicação, sociologia, história e muitas outras.
Segue abaixo, uma entrevista concedida pelo Alan, que entre fatos biográficos e falas sobre a “Menina Sem Nome” nos deixa indicações de documentaristas e artigos que dialogam com o seu trabalho. Vale a pena acessar e descobrir o imorrível cantor Di Melo, no link seguinte: http://www.youtube.com/watch?v=QN0o_v7RAyE
1. Por que o interesse em documentar o caso da “Menina Sem Nome” e qual a estética trabalhada?
Tudo surgiu a partir de um grupo de pesquisa montado com o incentivo do professor Eduardo Duarte com alunos do curso de comunicação, voltado a pesquisar o documentário. Porém, estávamos tão sedentos em realizar algo que acabamos por nos lançar já dentro de um processo de pesquisa pra um documentário. No início levantamos vários possíveis temas, mas quando foi colocado na mesa a “Menina Sem Nome” quase todos concordaram que esse seria um bom tema e foi assim que começamos. Eu, particularmente, já tinha uma relação bem antiga com o tema. Meus avós moram na Rua do Sossego próximo ao cemitério e me acostumei quando criança entrar no cemitério enquanto andava de bicicleta e, assim, conheci a história que sempre me impressionou.
Quanto à estética do filme, creio que o filme no diálogo entre estética e conteúdo tenha seu maior valor no conteúdo. Acho o filme relativamente simples e centrado nos depoimentos dos fieis, não tem grandes experiências estilísticas ou coisas assim. Claro que o filme tenta em alguns momentos trabalhar o vazio e a montagem em algum momento brinca com a quebra da expectativa como na cena do extintor, mas não acho que isso torne um filme “estético”.
Creio que quanto à forma o maior valor do filme está em não adotar uma postura jornalística, nem embarcar por um viés policial na história. Acho que dar toda voz aos fies e deixar que eles façam o inventário do mito é a grande sacada do filme, o filme não tenta ser conclusivo, nem dizer como a menina morreu e etc, prefere o burburinho da boca do povo, a cacofonia da boca do povo.
2. Há no Brasil muitos outros casos de crianças assassinadas de forma bárbara que não se transformaram em devoção popular. Sendo assim, em sua opinião, ao que se deve a sacralização em torno da “Menina Sem Nome”?
Olha, sem dúvida a sacralização da “Menina Sem Nome” está diretamente associada ao grande destaque que os jornais da época deram para o caso, até o próprio termo “Menina Sem Nome” foi criado pelos jornais que exploraram de maneira sensacionalista a história chegando até a publicar uma foto da criança sendo necropiciada, coisa que nos parece impensável hoje em dia. Claro que poderíamos nos perguntar: por qual motivo a filha dos Nardoni não foi santificada? Bom, em primeiro lugar, de certa forma foi. Claro que vivemos em outro tempo, o caso da “Menina Sem Nome” ocorreu em 1970 e estamos falando de um caso que ocorreu em 2008. Embora a mídia tenha o poder de criar ídolos e mitos, vemos, por exemplo, anualmente ídolos sendo criados no Big Brother, nas novelas e etc, no entanto tudo mudou. Atualmente, tudo é mais veloz e um mito que se cria tem um tempo de exploração menor, vivemos um tempo de mitos “fast food”. Hoje todos falam dos Nardoni, falam apenas por conta do julgamento que acabou de ocorrer, mas esqueceram do menino Hélio que foi decapitado, fato, por sua vez, que vão lembrar quando uma nova notícia sobre o caso vier á tona, para depois, novamente, esquecê-lo em seguida. Hoje é assim, não dá mais pra criar um mito que perdure, é tudo efêmero.
3. Em seu documentário há um momento em que dois populares afirmam ter conhecido a “Menina”. Quais seriam seus comentários a respeito dessas afirmações?
Bom, primeiro é preciso dizer que esses depoimentos foram completamente espontâneos, simplesmente estava lá com a câmera ligada quando eles começaram a discutir a cerca de quem sabia mais sobre a história da menina. Bom, confesso que no dia não pensei sobre isso e simplesmente registrei, mas na montagem percebi o grau de simulação que existia nas falas deles, sobretudo na senhora a qual falou mais empolgada dizendo que conheceu a garota atribuindo-lhe já em vida particularidades divinas. Acontece que fazendo as contas cheguei à conclusão de que a senhora que descreve a menina, na época, era também uma criança de no máximo 10 anos, porém, em seu depoimento ela fala como se fosse adulta. Na verdade, o que eu acho de mais valioso nessa constatação é perceber o poder que tem uma câmera ligada e de como ela molda a realidade e isso me faz refletir como é perigoso confundir o documentário com o documento, com a verdade e de que tamanha é a responsabilidade do documentarista em não tentar apreender a verdade e cristaliza-la aprisionando-a sobre um argumento qualquer.
4. Quais outros trabalhos artísticos (Fotografia, vídeo, literatura, teatro, dança e outros) você indicaria como trabalhos que dialogam com o seu documentário?
Bom, tem três trabalhos que podem de alguma maneira dialogar com o meu. Tem um artigo muito bom de um cara chamado José Chavier dos Santos, ele escreveu um artigo que está na internet pra baixar e que li durante as pesquisas pro filme, o artigo chama-se, “A Menina Sem Nome: um Espaço de Comunicação Folk”. Foi muito importante ter lido esse trabalho e perceber toda simbologia dos ex-votos e etc. Os outros dois trabalhos não fazem relação direta, mais articulam, de diferentes maneiras, aspectos da devoção no nordeste. O primeiro trabalho que cito é o de Camilo Cavalcante em seu último filme, que tive prazer de trabalhar como assistente de direção, “Ave Maria, Mãe dos Sertanejos”. Nele existe uma tentativa de lançar um olhar sobre a devoção e o rito da oração das 6h da noite no sertão Pernambucano e ao mesmo tempo como tem ocorrido esse embate entre a tradição da “Ave Maria Sertaneja” cantada por Luís Gonzaga e executada por algumas rádios no horário da oração e a TV que, no mesmo horário, exibi o desenho do Pica-Pau: enquanto uma senhora ora e acende velas, crianças hipnotizadas vêem o famigerado passarinho. O outro trabalho que cito é “Morro” de Gabriel Mascaro, um grande trabalho, tanto esteticamente quanto no conteúdo.
Dia 07 de Abril, no auditório da Livraria Cultura, às 19 horas. Além do Alan Oliveira, teremos Wilson Freire e Rúbia Lóssio