O mundo envelheceu?

25 05 2010

Houve um tempo em que o pensamento dominante ocidental considerava os mais velhos como indivíduos obsoletos, antigos e antiquados. Eram tidos como um grupo de pessoas para quem não valia mais a pena manter expectativas, afinal, estariam tão próximos da reta final do percurso da vida, que nutrir por eles qualquer anseio, era desperdiçar tempo olhando para um passado irrelevante e sem brilho.

Melhoras no sistema de saúde, surgimento da biotecnologia, novas descobertas no campo da genética e melhorias econômicas e sociais fizeram com que a expectativa de vida aumentasse e a população mundial “envelhecesse”. A dita “terceira idade” ganhou visibilidade e passou a ser discutida nas academias e órgãos governamentais. Era chegada a hora de se pensar em uma sociedade que valorizasse os idosos.

Para isso, buscou-se nas sociedades milenares orientais a sabedoria de respeitar os mais velhos e concebê-los como guardiões de saberes tradicionais, materialização do passado e elos cronológicos. É nesta perspectiva, que ainda nas comemorações da 8° Semana Nacional de Museus, o Museu de Arte Popular – MAP, abriu suas portas ao público de idosos da Diretoria de Lazer e Cidadania da Prefeitura de Recife, que na maioria dos casos, pela primeira vez, adentraram um espaço museal e se encantaram com as obras plásticas da cultura popular.

Ao entardecer, por volta das 16horas, como culminância das atividades da semana, o MAP e o MLG promoveram o debate “Acessibilidade em Museus” no Teatro Hermilo Borba Filho com a presença de gestores de instituições públicas, ong´s e militantes do Movimento Negro. Os presentes discutiram ações efetivas de inclusão social e física junto a públicos habitualmente cerceados, tais quais: pessoas com deficiência e grupos de vulnerabilidade social.

Confira abaixo as fotos!





Pátio de São Pedro, 20 de Maio. Dia 4! Lista de sobreviventes…

21 05 2010

Dizem os estrategistas que perder uma batalha não compromete a guerra, pois, muitos são os problemas enfrentados nas trincheiras de um combate. Há dias em que faltam mantimentos, outros dias, os soldados estão fatigados e há aqueles saudosos momentos de trégua. Na batalha contra a ignorância, falta de conhecimento e a exclusão física e social o Museu de Arte Popular – MAP – e o Memorial Luiz Gonzaga – MLG – não conseguem fugir das surpresas inerentes as constantes lutas de uma guerra. Nesta Quinta-Feira, entristeceram-se ao saber que não receberiam a visita escolar agendada, mas ciente do sucesso que tem sido a 8° Semana Nacional de Museus mantiveram-se esperançosos na vitória e preparam-se para culminância do evento nesta Sexta-Feira. Apesar das baixas, existe sempre o saldo positivo do combate. Hoje, contamos com 08 vitórias, que conseguidas de forma tão especial merecem ser citadas aqui: Confira abaixo os visitantes espontâneos do MAP.

1. Fabiana Pereira de Oliveira/São Paulo

2. Maria Oliveira do Carmo/Rio de Janeiro

3. Renato Sampaio do Carmo/Rio de Janeiro

4. Ana Oliveira/Recife

5. Lylian Souza/Recife

6. Nathalie Isvavel/ Quebec – CA

7. Paul Dranim/ Quebec – CA





Pátio de São Pedro, 19 de Maio. Dia 3! Filas de espera…

19 05 2010

Acostumados às filas quilométricas e  esperas agonizantes, brasileiros não mais estranham o cenário de bancos, supermercados e hospitais, que apeados de gente e trabalho submetem aqueles que necessitam de seus serviços a momentos de cansaço, ansiedade e estafa.

Nesta Quarta-Feira, seguindo com as atividades da 8º Semana Nacional de Museus, o Memorial Luiz GonzagaMLG –  e o Museu de Arte PopularMAP – protagonizaram uma cena parecida com a citada acima, mas as semelhanças param nas filas, que ao contrário daquelas que estressam e comprometem a qualidade de vida, eram de jovens e adultos ávidos por conhecerem a arte e a cultura do povo nordestino.

Ambos os espaços receberam adolescentes atendidos pela Fundação de Atendimento Socioeducativo FUNASE (Iputinga), reeducandos da Penitenciária Agro-Industrial São João e da Colônia Penal Feminina de Abreu e Lima que puderam adentrar na esfera religiosa dos locais votivos do Nordeste e vivenciarem através de atos performáticos a aura mítica de práticas votivas que remetem aos lugares de devoção aos santos populares.

No turno da tarde, foi a vez de crianças(AACD) e adultos (Gerência de Apoio a Pessoas com Deficiência) cadeirantes conhecerem as fotos do Marcelo Feitosa, obras de artistas de Tracunhaém e a história do São Longuinho no Museu de Arte Popular, sem contar com a alegria provocada por escutarem e tocarem sanfona no Memorial Luiz Gonzaga.

Os dois grupos de visitantes compõem uma parcela do público almejado pela parceria MAP e MLG, que visa atingir (também) aqueles que têm poucas chances de conhecer espaços culturais. Esta iniciativa surge neste momento, em torno da programação da “semana”, mas esperamos que as ações possam se manter e se perpetuar, pois, para quem achava que fila só significava “coisa ruim”, tem que admitir que filas em Museus é coisa rara e única…

Notícias Semana de Museus





Pátio de São Pedro, 18 de Maio de 2010. Dia 2! Anotações da trincheira.

18 05 2010

Hoje o Museu de Arte Popular entrou em seu terceiro dia de programação voltada para a 8ª Semana Nacional de Museus. Entrincheirados, e aguardando a chegada dos alvos, os funcionários do museu se preparavam para a performance, onde encarnariam Antônio Conselheiro e seus seguidores. A Guerra de Canudos teria seu segundo dia no MAP.

            Os alvos chegaram cedo, pontualmente às 9 horas da manhã. Apesar de pegos de surpresa, os funcionários não deixaram de aplicar sua tática de guerrilha e rapidamente tomaram suas armas, ops…, o figurino de beatos, e adentraram a sala de exposição. Desta vez foi o alvo que se viu surpreendido pela ação dos funcionários do MAP.

            Os alvos, alunos e professores da Escola Municipal Jandira Botelho, reagiram de diferentes maneiras à intervenção no MAP. Alguns olhavam assustados, outros achavam graça, mas, era fato: todos estavam interessados em como, subitamente, foram transportados para o meio de um movimento messiânico, uma romaria em pleno MAP. Os guerrilheiros do museu, por outro lado, rezavam, ajoelhavam-se, abençoavam e faziam romarias entre as vitrines e os visitantes do Museu de Arte Popular.

            Durante a tarde, a resistência mapeana se engajou em outro combate. Saiu de cena o Arraial de Canudos e seus beatos, e entraram todos nas comemorações do Dia Nacional da Luta Antimanicomial. Como ação desta nova frente de resistência, o MAP recebeu aliados da Secretaria de Saúde Mental, através dos Centros de Apoio Psicossocial do Recife (CAPS), que trouxeram diferentes grupos, de diferentes sedes, englobando ex-usuários de drogas, álcool e pessoas com diferentes transtornos mentais para o Museu de Arte Popular.

            Tudo isto faz parte da batalha maior que os guerreiros do Museu de Arte Popular se engajaram, pois se o tema da 8ª Semana Nacional de Museus é a Harmonia Social, o Museu de Arte Popular buscou nesta temática, trabalhar a “inclusão social em museus”. Ou seja, o MAP, durante toda a semana recebeu e continuará recebendo pessoas que tem um acesso dificultado aos espaços museais, pelas mais diversas razões, tais como os visitantes do CAPS ou da escola Jandira Botelho.

            No fim, entre mortos e feridos, se divertiram e aprenderam todos, mas a luta continua.

Museu de Arte Popular

Pátio de São Pedro|casa49

3232-2803/3232-2969





Pátio de São Pedro, 17 de Maio de 2010. Dia 1! Querido Blog…

17 05 2010

Habitualmente o Museu de Arte Popular – MAP ganha vida a partir das 09:00 horas  da manhã, com o entra e sai e o sobe e desce de funcionários e visitantes, que tomados pela luta incessante de preservar e valorizar o patrimônio cultural movimentam a instituição.

            Porém, esta Segunda-Feira, abertura da 8º Semana Nacional de Museus, o burburinho começou mais cedo. Por volta das 08:00 horas já aglomeravam-se no espaço artistas que preparavam-se para atos performáticos, funcionários que desciam a flâmula publicitária e mediadores que repassavam seu discurso.

            Deram as boas vindas ao Pátio de São Pedro crianças da Escola Municipal de Santo Amaro, que descobriram a discografia do Rei do Baião, as práticas votivas do sertanejo e as ideias do Movimento Mangue Beat. Estas jovens mentes conheceram um pouco mais da cultura e da arte nordestina através dos espaços Memorial Luiz Gonzaga, Memorial Chico Science, e claro, o Museu de Arte Popular.

Com as intervenções de performers, que remontavam a aura religiosa da Comunidade de Belo Monte(Canudos), os visitantes, agendados e espontâneos, tiveram a experiência de um ambiente expocênico vivo e dinâmico.





8º Semana Nacional de Museus

14 05 2010

           

 

O Museu de Arte Popular e o Memorial Luiz Gonzaga, durante o período de 17 a 21 de Maio, vivenciarão a 8ª Semana Nacional de Museus, que tem por tema, “Museus para a Harmonia Social”. Oportunizando o eixo temático proposto, resolvemos trabalhar os espaços museais como locais inclusivos junto a um público de pessoas com deficiência, mobilidade reduzida e jovens em vulnerabilidade social.

            Ao final da semana, para debater teorias e políticas efetivas, no concernente à acessibilidade em museus e outras instituições culturais, o MAP e o MLG promoverão uma mesa de debates, no Teatro Hermilo Borba Filho, no dia 21 de Maio, às 16:00 horas, contando com a presença dos seguintes palestrantes: Antônio Muniz da Silva (Assessor da Secretaria de Assistência Social), Eleonora Pereira (Assessora Política da Casa de Passagem), José Nunes Júnior (Gestor Administrativo da AACD), Vitória Barros (Gerencial de Medida de Semi-liberdade), Rebeca Oliveira (Observatório Negro). Márcio Luna (Coordenador Educativo do Memorial Luiz Gonzaga) e Daniel Barreto (Coordenador Educativo do Museu de Arte Popular) serão os coordenadores da mesa.

 *Mesa-debate de encerramento da semana de museus

Quando | Dia 21 de Maio, sexta-feira, às 16 horas

Onde | Teatro Hermilo Borba Filho, Rua do Apolo, 121, Bairro do Recife

 Sobre os palestrantes

1. José Nunes Júnior | Bacharel em Direito, pós-graduado em Gestão de recursos Humanos, Ex-executivo do Grupo Votorantim, BCP Telecomunicações (atual Claro), e Grupo Pão de Açúcar. Gestor Administrativo da AACD desde janeiro 2009.

2. Eleonora Pereira | Articuladora Política da ONG Casa de Passagem,
Conselheira Estadual de Direitos Humanos,
Coordenadora da Rede de Combate ao Abuso e Exploração Sexual do Estado e
Ex-presidente do Conselho Estadual da Criança e do Adolescente.

 

3. Antônio Muniz da Silva | Graduado em Biblioteconomia e Pedagogia pela UFPE, com especialização em Educação Especial pela FAFIRE, foi diretor do Centro de Reabilitação e Educação Especial – CREE Recife, (1999/2001), foi Presidente do Conselho Deliberativo da CEAD (1998/2002), foi Coordenador da Coordenadoria Municipal para Integração da Pessoa com Deficiência – CORDE – Recife (2001/2005). Atualmente é Presidente da Associação Pernambucana de Cegos – APEC, tendo sido eleito em 27 de janeiro de 2007 e representou as Pessoas com Deficiência Visual no Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência – CONED (2004/2008). É membro da Comissão de Políticas Públicas e Delegado por Pernambuco da Organização Nacional de Cegos do Brasil – ONCB.

4. Vitória Barros | Pós-graduada em Gestão Pública. Gerente da Gerencial de Medida de Semi-liberdade. Professora de Educação Física.

5. Rebeca Oliveira | escritora, advogada e cientista política, com especialização em direitos humanos. Atua na organização da sociedade civil Observatório Negro e é pesquisadora em direitos humanos, cidadania e desigualdades raciais.

Museu de Arte Popular

Pátio de São Pedro | Casa 49

São José | Recife | PE





USE SEUS MUSEUS | 16 de Maio de 2010

14 05 2010

> Na tarde do domingo dia 16 de maio vários museus de Pernambuco estarão abertos gratuitamente celebrando a Semana Nacional de Museus, cujo tema deste ano é Museus Para a Harmonia Social. A campanha Useu Seus Museus, promovida pelo Fórum dos Museus de Pernambuco com patrocínio da Caixa, da Prefeitura de Olinda e apoio da FUNDARPE.
>
> Veja a lista de museus participantes no endereço http://forumdosmuseusdepernambuco.com.br
 
O Museu de Arte Popular fará parte da campanha USE SEUS MUSEUS, promovida pelo Fórum dos Museus de Pernambuco, abrindo no domingo, 16 de Maio, das 13:00 às 17:00 horas.
 
Em cartaz com a mostra Caminhos do santo, o MAP traz um passeio por algumas nuances da religiosidade popular do Nordeste do Brasil. Com obras de Maria Amélia, Maluco Filho, Lídia Vieira, Zé Caboclo, Zé do Carmo, dentre outros artistas. O trabalho do fotógrafo Marcelo Feitosa, realizado nas romarias do Juazeiro do Norte, no Ceará e do Morro da Conceição, no Recife.
 
No Pátio de São Pedro, além do MAP, estarão abertos o Memorial Luiz Gonzaga, o Memorial Chico Science e o Mamam no Pátio.
 
 
USE SEUS MUSEUS
Quando | 16 de Maio, Domingo, das 13 às 17 horas
 
Museu de Arte Popular
Pátio de São Pedro | Casa 49
São José | Recife | PE
(81) 3232 – 2803 / 3232 – 2969
https://museudeartepopular.wordpress.com/





Alice no País dos Cordéis

6 05 2010

 

      Um dia, uma criança seguiu um coelho branco, um coelho de louça, que a levou até um portal. Ao atravessar o portal, num passe de mágica, o coelho se tornou uma poesia enquanto a criança, numa transmutação não menos poderosa, se tornava adolescente, e foi aí que esta criança, chamada Alice, encontrou a Literatura de Cordel.

      O cordel, que tem sua origem na Península Ibérica, fortemente influenciado pela poética árabe, é parte da identidade do Nordeste brasileiro e só assim podemos entender, como uma criança baiana, que morava em Pernambuco, foi entrar em contato com esta expressão artística pelo intermédio de uma professora cearense. O cordel se tornou, também, parte da identidade de Maria Alice Rocha Amorim.

      Formada em Psicologia, em Jornalismo e com mestrado em Comunicação e Semiótica, Maria Alice encontrou, na literatura de cordel, seu objeto de estudo e uma grande paixão. Nesta entrevista, Maria Alice se apresenta, e introduz algumas das questões que foram discutidas ontem, dia 05 de Maio, no Auditório da Livraria Cultura.

 

 

 

1 – Maria Alice, como e onde surgiu este seu amor pela literatura de cordel e pela Arte Popular?

 

Desde a adolescência, apreciava ouvir uma professora, que era cearense, falar sobre literatura de cordel. E ainda criança, adorava brincar com miniaturas de louça de barro. Isso poderia ter sido apenas um passatempo momentâneo, mas, não, firmou-se como prazeroso objeto de estudos a partir da época em que vim estudar no Recife, entre o final dos anos 70 e início dos 80. Depois, morei dez anos em Nazaré da Mata e lá passei a freqüentar sambadas e ensaios dos mestres de maracatu. A arte dos ceramistas de Tracunhaém, Goiana, Caruaru sempre me tocava, além de adorar o convívio com as artes dos cordelistas xilógrafos, como Marcelo Soares, Dila e Costa Leite.

2 – Sua dissertação de mestrado, No visgo do improviso ou A peleja virtual entre cibercultura e tradição, trata do advento da informática como um meio de propagação da literatura de cordel. Diante da pesquisa que foi desenvolvida, como esta e outras tecnologias interferem nas tradições de cordelistas e de outros artistas populares, seja de maneira positiva, ou de maneira danosa? Como você analisaria o papel das tecnologias na preservação das tradições?

 

As tecnologias acompanham o homem desde os primórdios. Quando se fala de tradição, uma das recorrências é supor que as duas – tecnologia e tradição – são incompatíveis. Mas, o cordel feito com a mediação de ferramentas do mundo cibernético prova o contrário. Isso, apenas citando a experiência cordelística, e a mais recente. Claro que as tradições não são estáticas, há interação contínua com o contemporâneo e esse diálogo garante a vitalidade. Evidente que o poeta cordelista não tem mais o perfil sociológico de um poeta de início ou meados do século 20. O cordel é identificado por aspectos de um fazer tradicional, obviamente, e é feito, hoje, por contemporâneos nossos. E, bom que se diga, foi exatamente a partir do boom das comunicações e facilidades oferecidas pelo computador e pela internet, a partir do final dos anos 90, que a produção cordelística retomou o fôlego. Os cordelistas se comunicam em rede, produzem e publicam com auxílio da rede, criam novas formas de produção poética, como as pelejas (de improviso ou não) no msn, twitter, nos blogs, correio eletrônico, telefone celular. Preservação, para mim, é isso, deixar o cordel viver, sem ficar lamentado que o cordel bom era somente aquele feito no passado.

3 – Em seu texto, O Verbo Sedutor, você fala de como a poética improvisada do mestre de maracatu rural reaviva tradições que remetem até aos poetas medievais. Esta ligação histórica tão antiga não é exceção na arte popular nordestina, pois o cordel teria sua origem na península ibérica, com forte influência árabe. Diante deste passado tão iluminado, que se reflete em um presente rico culturalmente, por que ainda existe tanto preconceito de alguns eruditos e intelectuais com estas (e outras) manifestações?

 

As tradicionais poéticas de oralidade estão inscritas num grande universo, que Jerusa Pires Ferreira chama de “grande texto oral”, portanto, improviso de maracatu dialoga com violeiros, coquistas, cordelistas. E isto é muito rico, como escreve, por exemplo, Augusto de Campos, num ensaio em Verso, Reverso e Controverso, em que relaciona a linguagem poética de violeiros nordestinos e poetas provençais. Há grandes textos, grandes pesquisadores que se debruçam sobre estas expressões de cultura. O preconceito, quando há, sai do âmbito meramente das preferências, fazendo vislumbrar questões ideológicas.

4 – O artista Mestre Noza, nascido em Taquaritinga do Norte (PE), mas que ainda jovem peregrinou até Juazeiro do Norte (CE), teve uma forte ligação com o Padre Cícero. Esta relação começava na fé, e ia até a sua arte, onde as figuras do Padim representavam uma parcela importante do trabalho do artista. Segundo o próprio Noza (Reinado da Lua, 2009), ele teria levado a primeira imagem ao Padre Cícero, que teria rido e perguntado “Eu sou assim?”. Levando em conta o exemplo de Mestre Noza com o Padre Cícero, nos cordéis, como esta figura, Padre Cícero, é retratada? São múltiplas interpretações? E, por fim, teriam estas interpretações, relação direta com o contexto da produção?

 

Existe uma unanimidade: o mito. Louvado como santo, o Padre Cícero também é expurgado por cordelistas que o consideram “santo das oligarquias”. Mas, nenhum contesta que tenha sido um homem inteligente, carismático. Milenarismo e messianismo são aspectos recorrentes nos cordéis sobre o Padim Ciço. E, com certeza, por ser um filão comercial, muitos dos poetas escrevem conforme o público das romarias. Afinal, dessa forma o folheto será bem vendido.

5 – Você gosta de Juazeiro (BA) e adora Petrolina (PE)?

 

Amo Juazeiro e Petrolina. Lá está a minha infância e as duas carrego sempre comigo. Agora, Recife e Nazaré da Mata foram decisivos quanto ao que venho pesquisando sobre culturas tradicionais, principalmente as poéticas de oralidade.

Maria Alice Amorim | Natural de Juazeiro, Bahia, cresceu em Petrolina, Pernambuco. Vive no Recife, onde exerce o jornalismo especializado em reportagens culturais, colaborando em revistas e suplementos, e realizando conferências. Dedica especial atenção à poesia popular, à arte figurativa e aos folguedos populares. Da fusão desses temas surgiu o livro Carnaval – cortejos e improvisos (2002), em co-autoria com o pesquisador Roberto Benjamin. Publicou, em 2003, ensaio sobre arte popular na obra Pernambuco: cinco décadas de arte. É autora do ensaio Improviso: tradição poética da oralidade, que integra o livro Literatura e Música, co-edição do Itaú Cultural e editora Senac. Com pesquisa sobre as poéticas tradicionais do Nordeste brasileiro, defendeu dissertação de mestrado em Comunicação e Semiótica (PUC-SP) –  “No visgo do improviso ou A peleja virtual entre cibercultura e tradição” – , que saiu em 2009 pela Educ (PUC-SP).





Uma fotografia do Marcelo

4 05 2010

Marcelo Feitosa é carioca. Pernambucano por parte de mãe, aprendeu cedo o sabor e o calor da cidade do Recife, e por aqui resolveu ficar. Multifacetado e cosmopolita se abriga em duas profissões, ora preocupa-se com sua microempresa, ora se deleita em seus ensaios fotográficos, ainda dividindo-se entre Recife e Curitiba, terra de sua namorada. Fotógrafo autodidata com especialização em fotografia digital, enveredou pelo caminho de cristalizar momentos em fotos artísticas e documentais, tendo assim, participado e ganhado vários prêmios na área. Em seu mais recente trabalho, “Festa Santa”, este fotógrafo que descobre Recife e agora Recife o descobre, presenteia a todos com um paralelo entre dois locais votivos (Juazeiro do Norte – CE e Morro da Conceição – PE), fazendo -com isso- um retrato da fé e dos aspectos comportamentais dos romeiros de ambos os locais de peregrinação. Sua preferência por uma estética de imagem em preto e branco, torna seus clicks atemporais e desafia a cronologia dos próprios fatos retratados, além de possibilitar uma observação serena e tranqüila, que abre caminhos para olhares e interpretações múltiplas. Como pequenos ensaios dentro de uma grande imagem, suas fotos são ricas e parecem correr para um infinito de sensações, histórias e experiências.

Confira abaixo a entrevista deste grande profissional, que tem seu trabalho(Festa Santa) exposto na atual exposição do MAP “ Caminhos do santo”. Você está esperando o quê para conferir?

ENTREVISTA

1. Por que o interesse em trabalhar a religiosidade popular?

Procissões e romarias guardam nossas origens cristãs. Os portugueses devotos, nossos colonizadores, interessados na difusão da fé, nos legaram um calendário repleto de datas santas. A religiosidade é uma herança cultural fortemente presente no cotidiano do povo brasileiro, principalmente do povo nordestino. Meu interesse com esse trabalho foi buscar a compreensão de como essa herança influencia a vida desse povo e como ela é determinante na caracterização dos hábitos e costumes, não apenas do sertanejo, mas de todo o povo nordestino.

2. Qual a estética utilizada em seu trabalho?

Optei por realizar as fotografias em preto & branco por achar que seria a melhor maneira de retratar a dramaticidade das imagens. Além disso, resolvi “envelhecer” as fotos usando um tom amarelado durante o processo de edição. Minha intenção é passar a idéia de atemporalidade das cenas.

3. Há no Nordeste um grande número de locais votivos. Por que a preferência por trabalhar Juazeiro do Norte e Morro da Conceição?

Festa Santa é um estudo comparativo. Escolhi esses locais por estarem em regiões distintas e serem antagônicos. Juazeiro do Norte fica no sertão cearense, o que caracteriza uma romaria rural; já o  Morro da Conceição fica na região metropolitana da cidade do Recife, caracterizando uma romaria urbana. A proposta do projeto é fazer uma análise comportamental dos devotos nas duas romarias e observar as diferenças e, ou, semelhanças existentes entre elas.

4. Seu trabalho parece configurar um retrato da fé de dois locais votivos que ora dialogam e ora se repelem. Nesta concepção, quais seriam os aspectos de semelhança e também os de singularidade entre Juazeiro e o Morro?

Meu trabalho consiste em lançar um olhar sobre tudo o que acontece nas romarias desses dois grandes centros votivos, buscando compreender, não só a fé, mas também a relação de interação entre romeiro e romaria. Devemos pensar em romaria como sendo um grande evento festivo. A fé que motiva os peregrinos em suas devoções é a mesma que os faz transformar a romaria em um momento de lazer. Quanto às semelhanças e diferenças entre Juazeiro e o Morro da Conceição, fica claro que os símbolos de devoção são praticamente os mesmos nas duas regiões, com cenas de pagamento de promessas, devoção, filantropia e orações sendo uma constante nos dois locais. A principal diferença entre as duas festas é o aspecto comportamental dos devotos: enquanto em Juazeiro os fiéis geralmente cumprem todo o calendário festivo, em peregrinações que duram dias, no Morro da Conceição os devotos limitam-se, geralmente, a pagar suas promessas e fazerem suas orações, numa única visita ao local de devoção.

5. As pesquisas referentes ao Padre Cícero revelam um homem de múltiplos interesses e muitos deles não correspondentes a uma figura religiosa. Através de suas pesquisas, como você percebe e retrata a figura deste mito nordestino?

Baseado em minhas pesquisas, entendo a figura do Padre Cícero como sendo a de um homem profundamente comprometido com questões sociais, além das religiosas. Proibido de exercer suas funções sacerdotais devido ao episódio do milagre da hóstia, Padre Cícero achou na política a maneira mais adequada de exercer sua liderança junto ao povo. Ao retratar as romarias em Juazeiro do Norte, busquei mostrar, através de imagens, o poder dessa liderança e expor a enorme influência que ele exerce na região até hoje. A questão que motivou o meu trabalho é analisar e tentar compreender as conseqüências geradas por esses interesses e que importância tiveram na construção sociopolítica da região. Acredito que considerar os múltiplos interesses de Padre Cícero como antagônicos a uma figura religiosa não dá conta de explicar a permanência da imagem do Padre Cícero junto ao povo nordestino. Penso que foram as várias ações de Padre Cícero, a sua atuação em diferentes campos, que contribuíram para a construção da sua imagem. Os múltiplos interesses de Padre Cícero podem ser um caminho para nos ajudar a compreender a complexidade das relações sociais de Juazeiro do Norte naquele momento.

6. Algumas de suas fotos, expostas na mostra “Caminhos do Santo”, revelam o sagrado e o profano atuando no mesmo espaço. Habitualmente, ensaios fotográficos trabalham estes dois aspectos de forma dual. Por que sua preferência por trabalhá-los imbricados?

Em meu ensaio fotográfico não parti de conceitos apriorísticos para entender as romarias e os romeiros, mas procurei apresentar um registro fotográfico dos eventos e das cenas do cotidiano que ocorrem durante as romarias em Juazeiro do Norte e Morro da Conceição. Não houve, da minha parte, qualquer preocupação de distinção entre o que seria sagrado ou profano. O foco do trabalho é a própria festa em si.

A partir de que critério podemos afirmar que determinada ação praticada por um devoto durante o ciclo festivo das romarias deve ser considerado algo profano? É preciso levar em consideração o fato de que, sob o ponto de vista de um romeiro, a prática do lazer durante as festividades, se não é algo sagrado, também não é profano. É apenas algo que está presente e acessível, uma distração permitida segundo seus próprios conceitos, e de certa forma, até compreensível devido ao forte caráter de confraternização presente nesses locais votivos.

7. Ao fazer o retrato da fé, suas lentes acabam por captar instituições religiosas muitas vezes disfuncionais. Seria esta também uma finalidade do seu trabalho? Se não, como explicar este fato?

Como expliquei anteriormente, a finalidade do meu trabalho foi criar um estudo comparativo entre os romeiros de duas regiões distintas e observar as diferenças e, ou, semelhanças existentes entre eles. Claro que esta observação está sujeita a inúmeras interpretações e podem nos levar a conclusões inusitadas. Nos grandes centros votivos, nada é mais marcante, determinante, presente e unânime do que as manifestações de fé. Ela é a principal motivação das peregrinações, o grande incentivo e, muitas vezes, o único alento que acompanha os devotos em sua jornada. A fé é a própria razão da existência dos festejos santos, restando à igreja o papel secundário de apenas conduzir esses festejos. As instituições religiosas se tornam disfuncionais por aceitarem essa condição de agentes secundários, se eximindo assim, de qualquer responsabilidade ou obrigação com o bem-estar dos devotos.

8. Diante de outros trabalhos referentes ao Morro da Conceição e a Juazeiro do Norte, o que ainda há a se retratar nestes dois locais?

A religiosidade é um tema que há muito tempo fascina fotógrafos, não apenas do Brasil, mas de todo o mundo. São vários os trabalhos já realizados por nomes consagrados, como Sebastião Salgado, Evandro Teixeira, Tiago Santana, Paulo Leite e tantos outros. No meu caso em particular, escolhi Juazeiro do Norte e Morro da Conceição devido ao meu estudo comparativo, mas acredito que ainda há muito estudo que pode ser desenvolvido, não apenas nesses dois centros votivos, mas em centenas de outros espalhados pelo Brasil. Cada romaria guarda sua origem, sua história e sua especificidade. Ainda temos muito a aprender sobre a cultura brasileira por meio do olhar sobre os festejos santos. Esse é um universo rico em tradições e fonte inesgotável de temas a serem retratados.

Marcelo  Feitosa | Fotógrafo autodidata, premiado em Brasília, especializado em fotos digitais, com curso de tratamento digital, ministrado pela Cia. Da Foto (SP). Autor de projetos como Cuba, exibido durante a IV Mostra Recife de Fotografia e o Festa Santa, trabalho que compõe a mostra Caminhos do santo, no Museu de Arte Popular.

O que | Caminhos do santo | Diálogos IV… imagens

Quando | 05 de Maio de 2010, quarta-feira, às 19 horas. AMANHÃ

Onde | Auditório da Livraria Cultura, Bairro do Recife

Promoção | Museu de Arte Popular – MAP

Quanto | Grátis

Informações | 3232-2803 / 3232-2969





Jamerson e o Morro

4 05 2010

Jamerson Kemps é professor da Faculdade Joaquim Nabuco. Fez sua graduação em História pela UFPE, e é Mestre em Antropologia pela mesma universidade. Esta formação é muito representativa em sua pesquisa, intitulada Nossa Senhora e o Morro da Conceição: História, Igreja e Comunidade Católica em Encontros e Desencontros, que trabalha o passado e o presente do Morro da Conceição, abençoado e observado pela grande estátua da Nossa Senhora da Conceição.

O interesse de Jamerson pela imagem da santa transcende a academia, atinge a sua identidade, como pernambucano e como religioso. Diante de um mundo plural, com transformações constantes, Jamerson observa no morro estas mudanças, enquanto também percebe as permanências na fé e nas relações humanas.

Abaixo, uma breve entrevista, concedida pelo Jamerson Kemps ao Museu de Arte Popular. Estas e outras respostas poderão ser amplamente discutidas, amanhã, às 19 horas, na Livraria Cultura, na Caminhos do santo | Diálogos IV…imagens.

1 –     De onde surgiu seu interesse pelo morro e pela estátua da Nossa Senhora da Conceição?

            Do ponto de vista científico-acadêmico, por conta das comemorações em torno do centenário da chegada da imagem da Conceição ao Morro [(1904-2004), ressalvando que o trabalho começou em 2005, quando do processo de seleção de mestrado e proveniente elaboração do projeto de pesquisa] mas também, devido a todas as circunstâncias históricas, políticas e socioculturais que envolvem a comunidade.

            Já do ponto de vista social, aproveito para parafrasear Gilberto Freyre, quando diz: ‘O recifense não está ligado às suas igrejas só por devoção aos santos, mas de um modo lírico, sentimental: porque se acostumou a voz dos sinos chamando para a missa, anunciando incêndio: porque no momento de dor ou de aperreio ele ou pessoa sua se pegou com Nossa Senhora, fez promessa, alcançou a graça; porque nas igrejas se casou, batizaram seus filhos e nestas estão enterrados avós queridos’ (Freyre, 2000:114).

2 –       Em sua pesquisa, Nossa Senhora e o Morro da Conceição: História, Igreja e Comunidade Católica em Encontros e Desencontros, você coloca a estátua da Nossa Senhora da Conceição como elemento chave na formação social e urbana da comunidade. Como se dá esta relação?

            Caso precisássemos responder de maneira concisa e direta (aos moldes do contemporâneo blog twitter), certamente, apresentaríamos tal relação a partir da constatação de uma atmosfera de tensões, disputas e arranjos em torno da imagem, originária dos diferentes pólos de vivência católica do Morro da Conceição. Para chegar a essa constatação, consideramos a existência de fatos históricos, políticos, socioreligiosos e simbólicos que terminaram por moldar a sociabilidade presente na comunidade.

            Históricos porque nos preocupamos em introduzir nossos leitores às mudanças urbanísticas pelas quais passou o morro desde a chagada da imagem de Nossa Senhora da Conceição, no ano de 1904, e que Consigo trouxe não só a propagação de Sua devoção, bem como, uma relação de controle eclesiástico sobre os fiéis por parte da Igreja Católica. Políticos e ideológicos, porque esta comunidade é um reflexo das ações desenvolvidas pela hierarquia eclesiástica que seguiu as orientações de duas correntes teológicas distintas oriundas do Concílio Vaticano II, e as colocou em prática com o trabalho de distintas lideranças em períodos distintos ao longo do último século. Considerados esses aspectos, pudemos melhor entender como a citada convivência socioreligiosa passou a se desenvolver sobre o formato de disputa entre o que classificamos como os três pólos de vivência católica, observando seus antagonismos, mas também, quais práticas socioreligiosas perpassam entre os mesmos. 

            Dessa forma, percebe-se que o primeiro pólo, praticante do Catolicismo Oficial, ver-se como agregador de outros católicos criando estratégias de persuasão sobre os membros do terceiro pólo. Contudo, depara-se com uma disputa interna por hegemonia, em que os diversos grupos que o compõe vêem-se como mais importantes que os demais e lutam pela atenção da paróquia. Diante disso, entre a disputa interna do primeiro pólo e sua tensa, porém dissimulada, disputa com o segundo pólo (apresentado na dissertação, como a Igreja de Resistência e Fé, e liderado pelo ex-pároco do Morro, Reginaldo Veloso), o terceiro pólo, caracterizado pelo Catolicismo Popular, parece se justapor aos demais, formando um dinâmico complexo de trocas simbólicas. Contudo, essa é uma prática silenciosa, não intencional, pois quando os fiéis do terceiro pólo dispensam as ações da igreja oficial, não se percebem inseridos em um cenário de confronto e disputa pela hegemonia, mas sim, por estarem dando continuidade as suas próprias práticas devocionais.  

            Aliado a estes aspectos, encontramos o simbolismo que circunda aqueles que vivem a comunidade católica estudada. Diante de tal conjuntura, preocupa-se a Igreja Católica em manter-se presente no cotidiano dos fiéis servindo-os como instrumento regulador da sua devoção religiosa, percebendo-se que esta preocupação existe desde a chegada da imagem, pois a instituição sempre procurou se fazer presente através de monumentos de destaque, como a antiga Torre e o atual complexo Santuário.

             Considerados estes fatores, passamos a refletir sobre a representação de Nossa Senhora da Conceição no imaginário de todos os seus devotos, perguntando-nos de que forma todo este processo influenciou e/ou influenciaria no aspecto de composição da sociabilidade entre os fiéis de cada pólo de devoção. Objetivamos entender se o simbolismo da representação de Nossa Senhora da Conceição, junto aos Seus fiéis católicos terminaria por agregar ou desagregar os que com Ela convivem.

            Concluímos que este simbolismo termina por promover um elemento de disputa na comunidade católica. O símbolo da Santa da Conceição termina por ‘agregar desagregando’, ou seja, sendo o centro do principal foco das atenções e devoção do Morro da Conceição, a imagem atrai e concentra seus variados fiéis, porém, disputada a exclusividade e legitimidade de Sua adoração, a Santa da Conceição termina por ver seu rebanho de católicos, paradoxalmente dividido, todavia, em uma mesma identidade católica, construindo na comunidade um estágio de vivência competitivo, em que acontecimentos do passado e do presente se confundem e influenciam um ao outro, impedindo desta maneira, a visualização de um futuro de sociabilidade religiosa com características de unificação e harmonia em tal comunidade de fiéis católicos.

3 –     O catolicismo popular possui vertentes e práticas peculiares. Diversos exemplos de práticas não reconhecidas pela igreja permanecem no seio do povo, tais como os ex-votos. Até mesmo excomungados como o Padre Cícero estão presentes na fé do povo. Diante desta “vida própria” do catolicismo popular, quais interpretações e visões da Nossa Senhora da Conceição você encontrou entre seus fiéis?

             Especificamente, àquela que a condiciona ao papel de Mãe. Diante de seu olhar complacente, o fiel católico, inevitavelmente deixa de entender que sua matriarca simboliza também a força Daquela que luta contra os agentes do mal, do pecado e/ou da injustiça. Pensada e executada minuciosamente a fim de atender à representação de seu simbolismo, a imagem de 3.50m de altura, que pesa 1.806 quilos com sua coroa de pedras, parece circundar e observar a todos, a todo instante. Ao refletir sobre a força da imagem de Nossa Senhora da Conceição no Morro, percebe-se que Ela está por todos os lados e parece estar sempre a observar todas as atitudes de seus devotos, quanto aos erros, acertos e pecados. A impressão que se tem é a de que a imagem fica à destacada distância do chão e tem sua complacente face voltada para baixo, ou seja, para a Terra, para o Morro da Conceição, para a Igreja, seus grupos e fiéis. 

4        – Que importância você atribui a religião como elemento de socialização, de consciência individual e coletiva?

 

 

             Citando Claude Lévi-Strauss (1986) e Clifford Geertz (1989), ‘a religião passa a ser a expressão da relação de distância que separa o que conhecemos do que ainda não conhecemos ou poderemos conhecer (…) uma perspectiva, uma organização cognitiva do mundo, entre outras possíveis (senso comum, ciência e estética), expressa em práticas e um conjunto de símbolos que dão sentido à existência e alivia o sofrimento’.

 

5        – Como as novas tecnologias interferiram no cenário religioso brasileiro? A queda no número de católicos, assim como o fortalecimento da Renovação Carismática tem relação direta com estas tecnologias?

 De um ponto de vista, direto, porém limitado, pode-se dizer que sim, também, mas não só por isso. Cecília Mariz (2001), por exemplo, lembra que ‘a modernidade trouxe sim, mudanças significativas no modo de viver a religião, mas também, estas transformações se desenvolveram de formas diferentes, pois, paralelo ao enfraquecimento institucional presenciado em alguns locais, também se observara novas formas institucionais de prática religiosa, e às vezes, grandes explosões de fervor religioso’. Não podemos deixar de ressalvar os efeitos causados pelos processos sociais desenvolvidos a partir das ideologias de racionalização e secularização, bem como, os atuais efeitos da globalização e pós-modernidade e sua proveniente desreferencialização sociocultural, para, a partir disso, tentarmos entender os efeitos das novas tecnologias sobre o sincrético, mas não necessariamente harmônico, campo religioso brasileiro.

Jamerson Kemps G. Moura | Mestrado em Antropologia (2008) e graduação em História (2004), pela Universidade Federal de Pernambuco, desempenhando a prática de ensino nas respectivas áreas de estudo e ciências afins. Defendeu a dissertação Nossa Senhora e o Morro da Conceição: História, Igreja e Comunidade Católica em Encontros e Desencontros, e atualmente é professor da Faculdade Joaquim Nabuco.